Estatuto da Igualdade Racial – Entre o avanço e o atraso – Breno Mendes
Uma lei que se pretendia avançada, demonstra-se arcaica perante os avanços já praticados pela sociedade brasileira
O Estatuto foi aprovado pela Câmara dos Deputados em Setembro deste ano. Porém, no Brasil o problema de um sistema bicameral é o de que o que demora para ser aprovado por 513 deputados, ainda terá que ser aprovado sem modificações por mais de 90 senadores. Caso haja modificação, vai de novo para a Câmara.
Mas nos parece que ouve uma costura política delicada no projeto aprovado pela Câmara. A questão crucial era a que abordava a política de terras de remanescentes quilombolas, que, segundo palavras do deputado Indio da Costa (DEMOCRATAS-RJ), poderia criar “uma espécie de MST negro”. Onyx Lorenzoni (DEMOCRATAS-RS), disse que o projeto, após ser verdadeiramente retalhado na Câmara, perdeu o indesejável “germe da racialização”.
O texto que foi para o Senado está sem grande parte das considerações consideradas mais polêmicas pelo status quo brasileiro branco: ficaram de fora a regulamentação de cota de 20% de negros para filmes e programas de TV e o detalhamento da demarcação das terras de quilombolas. Outra proposição que foi cortada do projeto original foi a reserva fixa de cotas para negros nas instituições federais de ensino superior (universidades e afins). Ou seja, o estatuto não prevê cotas.
Segundo palavras do Ministro Edson Santos (SEPPIR), o estatuto é um ponto de partida que reconhece e dá visibilidade à questão negra. Me desculpe, mas RECONHECER a questão negra é dose! Ainda não haviam reconhecido? Mas perae! Dar visibilidade? E Desde primórdios, e Abdias, e Ivanir, e os pré vestibulares, e as campanhas? Não deram visibilidade?Nem Obama deu visibilidade? Precisamos de uma colcha de retalhos para isso? Ok se dizem assim...
Para entender, o texto prevê a “possibilidade” (isso sim, um estatuto fica anos tramitando para instituir a POSSIBILIDADE! Só no Brasil mesmo...) possibilidade de o governo criar incentivos fiscais para empresas com mais de 20 empregados e pelo menos 20% de negros.
Diz ainda que o poder público adotará ações afirmativas em instituições públicas federais de ensino mas não prevê cotas, e promoverá igualdade de oportunidade no mercado de trabalho. Parece bastante vazio. Também foi aprovada ainda uma cota de 10% para negros nas candidaturas a vagas da Câmara dos Deputados, Assembleias Estaduais e Câmara de Vereadores . Mas isso não parece alterar em nada o momento atual. Pois é possível eu ser líder de partido, colocar 10% de candidatos negros, porém as candidaturas que mais recebem dinheiro e tempo na TV serem de candidatos a vereador brancos ou similares.
A esperança é que seja aprovado até o dia 20-11-09, mas hoje é dia 3 de Novembro e só no dia 28-10 que Sarney recebeu representantes do Mov. Negro Nacional do PMDB (nem sabia que isso existia, sinceramente!). O Senado propaga que Srney foi o grande mentor das cotas nas universidades (sic): cf. http://www.senado.gov.br/agencia/verNoticia.aspx?codNoticia=96818&codAplicativo=2¶metros=igualdade+racial
A matéria do projeto de Lei de Paulo Paim está identificada no sistema do Senado, mas há uma defasagem de 5 anos na informação de tramitação, pois só vai até 2004: cf. http://www.senado.gov.br/sf/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=58268
Em diversos momentos, o Estatuto se aparenta com uma segunda Lei Áurea, ou Constituição Brasileira dos Pretos:
Art. 19. A população afro-brasileira tem direito a participar de atividades educacionais, culturais, esportivas e de lazer, adequadas a seus interesses e condições, garantindo sua contribuição para o patrimônio cultural de sua comunidade e da sociedade brasileira.
§ 1 º Os governos federal, estaduais, distrital e municipais devem promover o acesso da população afro-brasileira ao ensino gratuito, às atividades esportivas e de lazer e apoiar a iniciativa de entidades que mantenham espaço para promoção social dos afro-brasileiros.
A pergunta que faço é: Estes direitos não estão assegurados já na Constituição Federal? Logo, se um texto parecido e similar a este na Constituição, carta-magma do Estado brasileiro, não foi acatada e cumprida, criando tais vissicitudes e aberrações estatísticas quanto ao acesso da população negra brasileira ao ensino gratuito, de qualidade e à cultura, seria NECESSÁRIO um texto mais enfático. Mais prático.
Porém nem tudo é espinho. Há flores, e bons frutos no projeto. Porém,são poucos. Estabelece a obrigatoriedade de ensino e inclusão de uma disciplina chamada História Geral da África e do Negro no Brasil. Uma questão é como encaixar a disciplina, já que História somente possui 2 tempos semanais, assim como Geografia, Filosofia, Artes, Sociologia, Educação Física e outras. No futuro, uma ampliação em horas diárias do tempo de escola será urgente.
Art. 21. A disciplina “História Geral da África e do Negro no Brasil” integrará obrigatoriamente o currículo do ensino fundamental e médio, público e privado, cabendo aos estados, aos municípios e às instituições privadas de ensino a responsabilidade de qualificar os professores para o ensino da disciplina.
Parágrafo único. O Ministério da Educação fica autorizado a elaborar o programa para a disciplina, considerando os diversos níveis escolares, a fim de orientar a classe docente e as escolas para as adaptações de currículo que se tornarem necessárias.
Nos últimos anos no Brasil, diversas disciplinas se tornaram obrigatórias. Vide, após a escolha da cidade-sede para Olympics 2016, as autoridades terem instituído que teremos segunda língua estrangeira obrigatória em algumas escolas e a introdução já no ano que vem do Inglês para crianças do 1º ano (antigo C.A.) ao 3º ano do Ensino Fundamental. Em 2011, para 4º e 5º anos: http://noticiasrio.rio.rj.gov.br/index2.cfm?sqncl_publicacao=21489 . Pergunta de quem é professor de Geografia e se interessa no bom uso da escola: Quem dará aula da disciplina? Geógrafo, Historiador, Sociólogo? Para o autor deste texto, todos estes.
Outros artigos se mostram lixo burocrático. Vide o que chamo, sem medo, de gasto de tinta sem utilidade alguma:
Art. 22 . Os órgãos federais e estaduais de fomento à pesquisa e à pós-graduação ficam autorizados a criar linhas de pesquisa e programas de estudo voltados para temas referentes às relações raciais e questões pertinentes à população afro-brasileira.
Mais segue uma linha de LeiÁurea do século XXI, pois este artigo 22 dá margem a entendermos que antes do estatuto instituições como UFRJ, Unicamp, USP, UFF, CnPq, Capes, Minc, Fundação Palmares e outras não podiam criar pesquisas ou fomentar estudos acerca de relações raciais. Mais utilidade teria se afirmasse que tantos % dos recursos federais investdos em pesquisas seriam OBRIGATORIAMENTE investidos em estudos das dinâmicas raciais ou temas correlatos.
Os artigos 23, 24, 25 e 26 não citarei, pois seguem o mesmo absurdo. Reconhecer o direito à manifestação de religiões afro-brasileiras é me chamar de burro por acreditar que estava em uma democracia laica que permitisse liberdade de credo. REAFIRMAR O ÓBVIO SE INSERE NA PRÁTICA DISCURSIVA DE NEGAR A EXISTÊNCIA DESTE ÓBVIO ANTES QUE FOSSE ENUNCIADO PELO ENUNCIADOR DA LEI. A linguística trabalha bem com isso. O artigo 27 é interessante, pois permite ao fiel de tradições afro ou indígenas faltarem ao serviço para cumprir rituais e depois compensar a falta. Muito bom!
O artigo 29 é eficiente em coibir o uso de mídias para discriminar negativamente os fiéis. De novo o artigo 31 segue o mais do mesmo. Me dá a impressão de que a proposta original seria de que os orçamentos fossem obrigados a prever recursos para implementar ações afirmativas. Mas provavelmente há algum deputado que odeia a palavra OBRIGATORIAMENTE, e a substituiu em todos os artigos pelo artifício “poderão prever”, “poderão apoiar”, “poderão poderão”:
Art. 31. Os planos plurianuais e os orçamentos anuais da União poderão prever recursos para a implementação dos programas de ação afirmativa
Entendo, pois, que não podia então o orçamento federal prever tais recursos exceto com a promulgação desta lei. No artigo 31, VII § 1º, 2º, 3º se repetem : O Poder Executivo fica autorizado a adotar medidas que garantam; os órgãos do Poder Executivo Federal que desenvolvem políticas e programas nas áreas referidas no § 1º ficam autorizados a garantir; O Poder Executivo Federal fica autorizado a adotar as medidas necessárias
Outra vez, vemos o mais do mesmo. Dados práticos, com percentuais, regras, e similares, nada!
A razão básica para o Estatuto ser tão vazio de propostas factuais e de possibilidades reais está no CAPÍTULO VI “Do Direito dos Remanescentes das Comunidades dosQuilombos às suas Terras” . Este capítulo contempla 4 páginas do total de 32 do estatuto. Contrapõe-se ao ridículo tamanho do CAPÍTULO VIII “Do Sistema de Cotas” , que não contempla sequer uma página inteira.
Cabe problematizar:
- o estatuto da igualdade racial é realmente proposto, no atual momento, com a real intencionalidade de melhorar as condições de vida da população afro-brasileira?
- o estatuto da igualdade racial no modo como será sancionado tem alguma possibilidade real de minorar os sofrimentos das populações às quais este se destina?
- ou o estatuto da igualdade racial demonstra a vitoria dos detratores da questão racial brasileira? Pois nenhuma das questões abordadas é específica. Smente a questão do acesso à terra e da desapropriação de terras em benefício de quilombolas possui regras claras, detalhadas, procedimentos e institui toda a normativa.
Em nossa análise, este estatuto é, hoje, uma grande resposta retrógrada às possibilidades existentes até então de negros quilombolas obterem acesso a terras. Grosso modo, possui muito confete, muita purpurina, e muitas construções linguísticas típicas de atendimento de telemarketing: o governo federal poderá fazer, poderá estar fazendo, poderá decidir, poderá propor, poderá aprovar, enfim...como sempre, o governo poderá fazer tudo.
Mas, quando, efetivamente, fará algo?
Este texto é uma abordagem para o estatuto. Foi redigido para incitar debate com a Dra. Elisa Larkin Nascimento (www.ipeafro.org.br).
Link para o Estatuto:
http://www.cedine.rj.gov.br/legisla/federais/Estatuto_da_Igualdade_Racial_Novo.pdf
Abraços,
Breno Mendes
Geógrafo
3 comentários:
Enquanto lia o texto, pensei "vou comentar que todos os fragmentos do Estatuto que foram citados já se encontram na Constituição Federal".
Logo, isso me dá uma idéia de que existiria uma Constituição para os brancos e outra, para os negros. Onde está a igualdade racial?
Meu caro,
Só existem 81 senadores na república!!!
Se o Estatuto necessita do voto de "mais de 90 senadores" como você disse no início de sua postagem, o referido estatuto nunca será aprovado!
reconheço minha falha.
deixarei errado encima para seu comentário ter coerência.
abraços
breno
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