terça-feira, 8 de abril de 2014

Nenhuma Mulher merece ser estuprada: Na sociedade consumista, ligamos as TVs para consumirmos uns aos outros

Há uma forte associação popular entre atos feministas e bissexualidade, lesbianismo ou anti-homem. Frutos da ignorância, estes pensamentos limitam o alcance da população às vozes, mensagens e discursos existentes neste campo da arena simbólica que significa a vida cotidiana. Há então a necessidade que, para ler e compreender o tema, os indivíduos estejam despidos destas meias-verdades.

Amanda Moreira

Só sabe o que é sofrer, quem sofre. Não há como imaginar o que é mente, o que é identidade, o que agride à sua existência mais profunda, que é a mental, conjugada à carnal.

O estupro é a materialização de uma sociedade consumista, na qual ligamos as TVs para consumirmos uns aos outros. 

Se a repórter é feia: Cruzes, troca de canal! O mesmo para obesos, negros, e mulheres que não expressem sensualidade. A notícia não importa tanto quanto a coxa. Poxa, a moça a estudou anos com afinco, para vencer numa savana que é o mercado de trabalho. E este mercado também é fruto e frutificador do consumismo de corpos. Fico pensando onde trabalham as mulheres que não são lindas e são obesas dos cursos de jornalismo, porém que são melhores profissionais do que as bonitinhas da TV. Rádio, internet, jornais, redações e revistas. O que isso tem a ver com o estupro? 

O consumo penetra carne adentro, e aquele que possui comida, lar e roupas não se contenta. Deseja o de marca. Deseja entrar no universo dos que podem. Crê na igualdade entre poder de compra e poder ser. Vivem em um momento decadente da história, no qual visam ter para ser, ser para ter, e esquecem que apenas reproduzem e são reproduzidos. 


De modo geral, nós homens, ao sairmos nas pensamos que as mulheres precisam ser consumidas. Pois o tênis tem um buraco e precisa ser preenchido por meus pés. A calça sem minhas pernas é inútil, e a cueca sem meus órgãos não tem de quê em existir. Um "objeto" rebolativo, e se rebola me deseja, se deseja, vou dar o que me pede (ofensas gravíssimas, ou as famosas encoxadas em coletivos lotados) sem imaginar que seus quadris assim o fazem naturalmente, por características fisiológicas e ósseas. Somos diferentes. 

Porém a diferença não nos une como deveria. Somente nos distancia, por ignorarmos que entre nossos pênis e bocas existe um umbigo que é prova clara de que saímos da intimidade de uma mulher, e todas estas devem ser respeitadas. Mas isso não importa! O objetivo de rebolar é, pois mostrar as nádegas, que estão dentro de vestido justo porém na altura do joelho. 

Ela quer ser vista, quer ser abusada. O decote moderado mostra seios. E seios, mais do que tudo, merecem e devem ser chupados como tangerina. Afinal, não perguntamos às tangerinas se assim desejam ser defloradas. Esquecemos do papel do seio, que é o de dar nome a nossa família (me perdoem, não sou bom de taxonomia?): Mamíferos. O seio nutre, protege e cria ligação insuperável entre mãe e filho. O seio faz com que o mundo exista, pois se somente babás e vizinhas cuidassem de nossos filhos e os amamentassem com mamadeiras, a terceira guerra teria começado. 

O vestido continua sendo alvo. A calça justa continua sendo alvo. Exibe contornos do órgão, mas na verdade o problema não é o contorno dos lábios da boca com batom carmim, ou dos lábios que não usam batom, que chegam desavisados e passam na calçada, com o corpo perfumado.

O problema é a covardia, que aliada à incapacidade de ser o que se sonha e enxergar o mundo como é, se esconde no ser o que se pode. E no mundo consumista de sonhos e pessoas, a mulher violentada que se expõe à justiça será escondida bem atrás da prateleira simbólica do mercado de carnes nobres, pois humanas. Carnes com sonhos, carnes livres, carnes que merecem respeito, e que pensam.

Múltiplas violências. A mulher nasce em um mundo que exige sua exposição e sensualidade para se afirmar mulher, e é atacada sob argumento da inevitabilidade de resistir racionalmente à tentação de "vê-la e não come-la", como um rotweiller faminto destroçando um coelho. Ao denunciar a violência sofrida, o silêncio, os julgamentos e condenações não judiciais, mas morais, causam um novo estupro moral de si e dos seus.

O suicídio é, muitas vezes, o único calmante para aquelas que viram e sentiram em seus próprios corpos o consumo de si mesma como uma não-coisa, visto que coisa é reciclada, e a mulher estuprada é descartada. A verdade é que cada vez mais temos provas de que a sociedade contemporânea, ancorada no consumo de tudo e de todos, vê as possibilidades de resgate moral e ético ficarem mais difíceis de serem bem sucedidas. Famílias, essa culpa é de vocês, com o mercado midiático que nos invade, e leva muito mais do que o dinheiro nos bolsos. Leva e traz valores. Leitores e expectadores, essa culpa é nossa.

Ato dos 35%, em Copacabana, 06/04/2014.
Vida longa às feministas, aos movimentos negros, indígenas, de expressão sexual e de combate a quaisquer violências aos seres. Não importa se são 65% ou 26%. Se um homem pensar assim, há pelo que lutarmos.


Homo sapiens sapiens. Temos obrigação de pensar sobre isso.

Fotos obtidas no movimento Nenhuma 


Breno Mendes
Geógrafo
Educador da rede municipal do Rio de Janeiro
Estudante de Direito

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